sábado, 6 de novembro de 2010

Monteiro Lobato e os preconceitos na linguagem e na cultura



Fui surpreendido, no final de outubro, com a notícia (O Dia Online) da sugestão do Conselho Nacional de Educação (CNE) de proibir a obra "Caçadas de Pedrinho", clássico da literatura infantil, do brasileiro Monteiro Lobato, de circular nas escolas públicas do país.

Segundo os conselheiros, esta obra possui conteúdo racista, em referências a termos utilizados como comparativos no contexto do enredo, a Tia Nastácia. Esta comparação é feita com animais como urubu e macaco, por exemplo:

“Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta. As onças estão preparando as goelas para devorar todos..”Fala da personagem Emília

“Tia Nastácia (...) trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de São Pedro acima (...) parecia nunca ter feito outra coisa na vida”Trecho do capítulo ‘O assalto das onças’

As opiniões estão divididas e em larga escala, espalha-se pela internet, através das redes sociais, jornais e revistas digitais, críticas a favor da proibição, contra a proibição e melhor capacitação dos professores para discutir o contexto do período em que foi escrito livro, comparando-se com a atualidade e justificando inclusive a existência de uma secretaria no Ministério da Educação com o nome de "Promoção da Igualdade Racial".

Diversos conceitos surgem na atualidade ou mudam-se antigos para uma nova perspectiva, a fim de possibiltar uma mudança positiva naqueles que se mostraram ineficientes para a construção de uma sociedade ideal.

Enquanto essas mudanças conceituais acontecem, pequenas coisas passam despercebidas e continuam sua longa jornada, como acontece desde que foram criadas em séculos passados e, imagino eu, que o que consideramos hoje a cultura popular e o folclore, um dia tenhamos a sugestão de proibição de ser dito em público pelo conteúdo racista característico da época em que foi criado (a).

Recebi, por e-mail, um diálogo imaginário entre duas crianças, neste século XXI. Passado o momento do riso, abundante aliás, quase não consegui terminar de ler, vem a análise da situação, do contexto e de como as crianças podem encarar coisas que, para o nível de maturidade que temos, parece algo simples, mas para alguns, podemos criar o preconceito mesmo antes dele existir nas cabeças dos pequenos seres em formação.

Diálogo entre duas crianças do século XXI. (Autor desconhecido)

- E aí, véio?
- Beleza, cara?
- Ah, mais ou menos. Ando meio chateado com algumas coisas.
- Quer conversar sobre isso?
- É a minha mãe. Sei lá, ela anda falando umas coisas estranhas, me botando um terror, sabe?
- Como assim?
- Por exemplo: há alguns dias, antes de dormir, ela veio com um papo doido aí. Mandou eu dormir logo senão uma tal de Cuca ia vir me pegar. Mas eu nem sei quem é essa Cuca, pô. O que eu fiz pra essa mina querer me pegar? Você me conhece desde que eu nasci, já me viu mexer com alguém?
- Nunca.
- Pois é. Mas o pior veio depois. O papo doido continuou. Minha mãe disse que quando a tal da Cuca viesse, eu ia estar sozinho, porque meu pai tinha ido pra roça e minha mãe passear. Mas tipo, o que meu pai foi fazer na roça? E mais: como minha mãe foi passear se eu tava vendo ela ali na minha frente? Será que eu sou adotado, cara?
- Como assim, véio?
- Pô, ela deixou bem claro que a minha mãe tinha ido passear. Então ela não é minha mãe. Se meu pai foi na casa da vizinha, vai ver eles dois tão de caso. Ele passou lá, pegou ela e os dois foram passear. É isso, cara. Eu sou filho da vizinha. Só pode!
- Calma, maninho. Você tá nervoso e não pode tirar conclusões precipitadas.
- Sei lá. Por um lado pode até ser melhor assim, viu? Fiquei sabendo de umas coisas estranhas sobre a minha mãe.
- Tipo o quê?
- Ela me contou um dia desses que pegou um pau e atirou em um gato. Assim, do nada. Maldade, meu! Vê se isso é coisa que se faça com o bichano!
- Caramba! Mas por que ela fez isso?
- Pra matar o gato. Pura maldade mesmo. Mas parece que o gato não morreu.
- Ainda bem. Pô, sua mãe é perturbada, cara.
- E sabe a Francisca ali da esquina?
- A Dona Chica? Sei sim.
- Parece que ela tava junto na hora e não fez nada. Só ficou lá, paradona, admirada vendo o gato berrar de dor.
- Putz grila. Esses adultos às vezes fazem cada coisa que não dá pra entender.
- Pois é. Vai ver é até melhor ela não ser minha mãe mesmo... Ela me contou isso de boa, cantando, sabe? Como se estivesse feliz por ter feito essa selvageria. Um absurdo. E eu percebo também que ela não gosta muito de mim. Esses dias ela ficou tentando me assustar, fazendo um monte de careta. Eu não achei legal, né. Aí ela começou a falar que ia chamar um boi com cara preta pra me levar embora.
- Nossa, véio. Com certeza ela não é sua mãe. Nunca que uma mãe ia fazer isso com o filho.
- Mas é ruim saber que o casamento deles não está dando certo... Um dia ela me contou que lá no bosque do final da rua mora um cara, que eu imagino que deva ser muito bonitão, porque ela chama ele de 'Anjo'. E ela disse que o tal do Anjo roubou o coração dela. Ela até falou um dia que se fosse a dona da rua, mandava colocar ladrilho em tudo, só pra ele passar desfilando e tal.
- Nossa, que casamento bagunçado esse. Era melhor separar logo.
- É. só sei que tô cansado desses papos doidos dela, sabe? Às vezes ela fala algumas coisas sem sentido nenhum. Ontem mesmo, ela disse que a vizinha cria perereca na gaiola... já viu...essa rua só tem doido...
- Ixi, cara. Mas a vizinha não é sua mãe?
- Putz, é mesmo! Tô ferrado de qualquer jeito.

E aí, quando será que vão sugerir a proibição das cantigas de roda, de ninar e outras cantorias do cancioneiro popular e presença marcante do nosso folcore?